"Ele nunca faria isso" não é uma frase que se aplica a Vladimir Putin, na opinião do correspondente da BBC em Moscou.
Deixe-me começar com uma confissão. Muitas vezes no passado, eu já pensei: "Putin nunca faria isso". Mas daí ele vai lá e faz.
"Ele nunca anexaria a Crimeia, certo?" Ele anexou.
"Ele nunca começaria uma guerra em Donbass, no leste da Ucrânia." Ele começou.
"Ele nunca lançaria uma invasão em grande escala da Ucrânia." Ele lançou.
Minha conclusão é que a frase "ele nunca faria" não se aplica a Vladimir Putin.
E isso levanta uma questão desconfortável:
"Ele nunca seria o primeiro a apertar o botão nuclear depois da Segunda Guerra. Não é?"
Não se trata de uma questão teórica. O líder da Rússia colocou no domingo (27) as forças nucleares de seu país em alerta "especial", em protesto contra "declarações agressivas" sobre a Ucrânia por líderes da Otan (aliança militar liderada pelos Estados Unidos) e contra sanções econômicas aplicadas contra a Rússia.
Ouça atentamente o que o presidente Putin tem dito.
Versículos sobre a paz e guerra
No dia 24, quando Putin anunciou na TV sua "operação militar especial" (na realidade, uma invasão em grande escala da Ucrânia), ele fez um aviso assustador: "Para qualquer um de fora que considere interferir — se o fizer, enfrentará consequências maiores do que qualquer outra que já se enfrentou na história."
"As palavras de Putin soam como uma ameaça direta de guerra nuclear", acredita o Prêmio Nobel da Paz Dmitry Muratov, editor-chefe do jornal "Novaya Gazeta". "Nesse discurso de TV, Putin não estava agindo como o dono do Kremlin, mas o dono do planeta; da mesma forma que o dono de um carrão fica se exibindo girando seu chaveiro no dedo, Putin estava girando a bomba nuclear. Ele disse muitas vezes: se não existisse a Rússia, por que precisaríamos do planeta? Ninguém prestou atenção. Mas isso é uma ameaça de que, se a Rússia não for tratada como ele quer, tudo será destruído."
Em um documentário de 2018, o presidente Putin comentou que "se alguém decidir aniquilar a Rússia, temos o direito legal de responder. Sim, será uma catástrofe para a humanidade e para o mundo. Mas sou um cidadão da Rússia e seu chefe de Estado. Por que precisamos de um mundo sem a Rússia nele?"
Versículos sobre a paz e guerra
Agora voltemos para 2022. Putin lançou uma guerra em grande escala contra a Ucrânia, mas as forças armadas ucranianas estão resistindo duramente. Nações como EUA e países europeus — para surpresa do Kremlin — se uniram para impor sanções econômicas e financeiras que podem estrangular Moscou. A própria existência do "sistema Putin" pode estar em xeque.
"Putin está em apuros", acredita Pavel Felgenhauer, analista de defesa de Moscou.
"Ele não terá muitas opções depois que o Ocidente congelar os ativos do Banco Central russo e o sistema financeiro da Rússia implodir de verdade. Isso tornará o sistema inviável."
"Uma opção para ele é cortar o fornecimento de gás para a Europa, esperando que isso faça os europeus cederem. Outra opção é explodir uma arma nuclear em algum lugar sobre o Mar do Norte entre o Reino Unido e a Dinamarca e ver o que acontece."
Se Vladimir Putin escolhesse a opção nuclear, alguém em seu círculo próximo tentaria dissuadi-lo? Ou impedi-lo?
"As elites políticas da Rússia nunca estão com o povo", diz Muratov. "Elas sempre ficam do lado do governante."
E na Rússia de Vladimir Putin o governante é todo-poderoso. Este é um país com poucos freios e contrapesos; é o Kremlin quem dá as ordens.
"Ninguém está pronto para enfrentar Putin", diz Felgenhauer. "Estamos em um ponto perigoso."
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