Em livro, jornalista refaz os passos de uma travessia ocorrida no auge do Império e traz curiosidades sobre o povo cearense

Imagine a cena: sob o brilhante sol de junho, 14 camelos desembarcam no cais de Fortaleza. Embora tenham vivenciado fortes tempestades e dificuldades com alimentação na travessia, os animais chegam saudáveis e bem-dispostos. Na praia, uma comitiva de políticos e cientistas acompanha tudo, enquanto uma multidão de anônimos observa, assustada, aquelas exóticas espécies, nunca antes vistas por essas bandas.

 

A viagem partiu de Argel, capital da Argélia, e desembarcou na capital cearense após 34 dias, na exata data de 18 de junho de 1859. O intento era nobre: aclimatar os dromedários no Estado, reproduzi-los e usá-los como alternativa às mulas de carga. A proposta alinhava-se ao desejo de aproximação científica entre a França e o Brasil num momento em que a nação tupiniquim, no auge do Império, ganhava força no cenário político mundial.

A importação dos camelos, assim, representou o início de uma expedição capitaneada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) de modo a registrar a fauna, a flora, elementos da topografia e os hábitos do País a partir de uma abordagem nacional. Era uma maneira de reagir ao ressentimento ocasionado pela visão de estrangeiros outrora presentes em nosso solo, ao mesmo tempo que alimentava o espírito científico de Dom Pedro II.


Legenda: Esta foto ilustrativa de um camelo alude à presença desses animais no Ceará em 1859 como parte da primeira expedição científica brasileira


 

Fartos detalhes de todo esse instante regado a surpresas, vocação técnica e burocracia podem ser encontrados no livro “Catorze camelos para o Ceará: A história da primeira expedição científica brasileira”, escrito pelo jornalista gaúcho Delmo Moreira e publicado pela editora Todavia. Ao Verso, o autor conta o porquê de empreender olhares sobre esse curioso fato.

 

“Há dez anos, eu estudava os relatos das secas para uma reportagem e me deparei com uma referência à expedição. Achei o episódio precioso e comecei a pesquisá-lo por curiosidade. O caso era citado sempre como exemplo das políticas desastrosas que os governos adotaram contra as secas – embora este tema, especificamente, fosse quase irrelevante para a Comissão Científica, pois as secas ainda não configuravam uma questão nacional naquela época. Logo percebi que a expedição era mais que isso e achei que dava um livro”, explica.

 

A constatação ficou ainda mais clara quando Delmo passou a conhecer melhor os grandes personagens envolvidos no empreendimento: o barão de Capanema (1824-1908); o médico e botânico Freire Alemão (1717-1874); e o poeta e etnólogo Gonçalves Dias (1823-1864). Na obra, consta que “eram diferentes em tudo, da origem familiar ao estilo de vida”. A narrativa, inclusive, parte da ótica desses expedicionários, homens da corte, frente a uma realidade desconhecida para eles. 

 

“A história de vida dessas personalidades – brilhantes, contraditórias e muito diferentes entre si – foi tão importante para a narrativa quanto as viagens. Entender o mundo deles, o lugar de onde vinham, os conhecimentos que dispunham, as expectativas que levavam. Compreender melhor aquele tempo ajuda a compreender melhor aquela história”, situa Delmo Moreira.

diariodonordeste.verdesmares.com.br