Adesivador de táxis Daniel Campelo, de 51 anos, esteve na delegacia para prestar depoimento, nesta segunda (14), no Recife. Ele disse que 'a vida está muito difícil'.

Daniel Campelo, de 51 anos, que perdeu a visão ao levar tito de bala de borracha durante protesto, em 29 de maio, no recife, prestou depoimento nesta segunda (14) — Foto: Priscila Aguiar/G1

“Quero que justiça seja feita pelo erro do estado. Vou prestar depoimento e contar toda a verdade do que aconteceu”. A declaração é do adesivador de táxis Daniel Campelo, de 51 anos, um dos homens que perderam a visão após a repressão da PM a um protesto pacífico contra o presidente Jair Bolsonaro (sem partido), no Recife, no dia 29 de maio

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Nesta segunda-feira (14), Daniel esteve na Delegacia da Boa Vista, no bairro de Santo Amaro, na área central da cidade, para prestar depoimento. O caso é investigado por dois delegados, que apuram a agressão a Daniel e omissão de socorro.
Daniel perdeu a visão de um olho ao ser atingido por uma bala de borracha. Imagens mostram que PMs se negaram a ajudar a vítima, mesmo com os pedidos feitos por pessoas que acompanhavam a manifestação

O outro ferido com gravidade é o arrumador de contêineres Jonas Correia, de 29 anos, que também ficou sem enxergar com um dos olhos por causa de um tiro de bala de borracha disparado pela PM. A vereadora Liana Cirne (PT) foi agredida com spray de pimenta e precisou ser socorrida.

Por causa da ação truculenta da PM, a Polícia Civil, a Corregedoria-Geral da Secretaria de Defesa Social (SDS) e o Ministério Público de Pernambuco (MPPE) abriram procedimentos para investigar a conduta dos agentes de segurança.
PM atirou balas de borracha e gás lacrimogêneo contra manifestantes em protesto contra Bolsonaro no Recife — Foto: Reprodução/TV Globo

O então secretário de Defesa Social, Antônio de Pádua, e o comandante da PM no dia do ato, coronel Vanildo Maranhão, deixaram o governo. O estado informou que eles “pediram exoneração”.

Além disso, 16 homens que participaram da ação truculenta foram afastados das ruas pela corporação. Três oficiais e outros praças foram identificados 

Daniel chegou à delegacia por volta das 14h desta segunda. Antes de entrar para falar com os delegados Kelly Luna e Breno Maia, ele falou sobre a situação que está vivenciando depois dos ferimentos.

“Ninguém quer passar por essa situação. Infelizmente, eu estou passando e a minha vida está muito difícil”, declarou.
Daniel afirmou que não tem condições de retornar ao trabalho. “Ainda está muito recente. Sempre passa pela minha cabeça. Quando a gente está deitado, não consegue dormir bem. Volta toda aquela situação novamente. É um desespero. Eu não desejo isso para ninguém”, afirmou.

Daniel lembrou que, depois de levar o tiro no olho, ainda foi atingido por outro disparo. “Isso na hora do meu socorro. Vários disparos continuaram sendo feitos e um deles atingiu as minhas costas. Eu já tinha recebido o primeiro disparo no olho”, lembrou.


Sobre o estado de saúde, o adesivador de táxis contou que está com a visão embaçada e que sente dor no olho, além de ter problemas em outras partes do corpo. “Eu tenho uma marca de bala de borracha nas minhas costas”, disse.

Daniel também falou sobre a postura diante dos problemas sociais do país e ressaltou que não estava participando do protesto no dia 29 de maio.

“O que eles pediam lá servia para todos nós, que é vacina e alimento. Nada contra. Infelizmente, eu não participo dessas coisas, mas a gente precisa de vacina e de alimentação. O que está acontecendo é muito difícil no país”.

Sobre o depoimento desta segunda, Daniel afirmou que pretendia “falar a verdade” e tudo o que aconteceu, desde o momento em que ele saiu para pegar um ônibus. Também disse que esperava “o que é de direito em relação ao estado de Pernambuco” (veja vídeo abaixo).

Vítima do protesto no Recife, Daniel Campelo deve prestar depoimento
Vítima do protesto no Recife, Daniel Campelo deve prestar depoimento

“Queria ter minha visão de volta. Isso jamais vou ter. O meu olho foi retirado. Eu não tenho mais o olho esquerdo. Isso não volta mais. Nem a minha nem a do nosso amigo Jonas, que também é um pai de família e cidadão do bem”, declarou.


A vítima da ação da PM também disse que gostaria de agradecer o apoio de quem o ajudou quando ele estava ferido. "A moça foi me ajudar lá e o rapaz que eu nem conheço. Quero até agradecer a eles e depois conversar pessoalmente. E agradecer pela força que eles me deram”, disse.

Sobre a expectativa de futuro, Daniel disse que “ a vida daqui pra frente está na mão de Deus”. “A gente tem muita fé em Deus. Eu tenho a minha família, mas vamos atrás da justiça", afirmou.

Repercussão
Por causa da ação truculenta de 29 de maio. o Ministério Público de Pernambuco recomendou que o estado adote medidas para evitar "excessos" em ações da PM em novos protestos contra o presidente Bolsonaro.

O caso é acompanhado por entidade de direitos humanos, que pediram apoio a instituições internacionais, como Organização das Nações Unidas (ONU) e Organização dos Estados Americanos ( OEA).

O governo do estado montou um grupo para acompanhar, com a sociedade civil, as ações dos movimentos sociais.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) em Pernambuco sugeriu a instalação de câmeras nos uniformes dos policiais, acopladas aos coletes, a exemplo da PM de São Paulo.