Segundo a polícia de Pernambuco, 112 mulheres foram mortas, entre janeiro e junho de 2020, e 101, no mesmo período de 2019. Feminicídios saíram de 28 para 32, entre os dois anos.
Quando foi morta, Leandra Gennifer da Silva, 22, estava em casa com o companheiro e o filho do casal — Foto: Reprodução

"Eu espero, como qualquer pessoa, no meu lugar, que a justiça seja feita, que ele seja condenado e que não seja, no outro dia, posto na rua, como a gente vê por aí. Hoje, ele está preso, mas a mãe dele pode ter a esperança de ele se libertar, sair da prisão. Mas e eu? Onde ele botou minha filha não tem mais volta".
O depoimento é da trabalhadora autônoma Joseane Oliveira da Silva, que, em fevereiro deste ano, perdeu a filha, Leandra Gennifer da Silva, de 22 anos. A jovem foi morta pelo companheiro, com o filho de pouco mais de 1 ano nos braços.
O crime aconteceu depois de uma prévia de carnaval. O marido da vítima, Raphael Cordeiro Lopes, chegou a se apresentar à polícia e foi liberado. Nove dias depois, sendo preso preso novamente.

Leandra Gennifer da Silva foi uma das 112 mulheres mortas em Pernambuco no primeiro semestre de 2020. De acordo com um levantamento feito pelo G1, com base nos dados oficiais dos 26 estados e Distrito Federal, esse número é 11% maior que o registrado nos seis primeiros meses de 2019, quando 101 mulheres foram assassinadas.

No país, o aumento foi de 2%, em plena pandemia do novo coronavírus e em meio a uma série de restrições de circulação para conter o vírus. O levantamento faz parte do Monitor da Violência, uma parceria do G1 com o Núcleo de Estudos da Violência da USP e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

O caso de Leandra se enquadra como um feminicídio, que é o tipo de crime de violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher.

Entre janeiro e junho deste ano, foram 32 casos registrados pela Secretaria de Defesa Social. Um aumento de 14% perante os 28 crimes semelhantes contabilizados no primeiro semestre de 2019.

"Até hoje, fico sem entender o porquê de ele ter feito isso com a minha filha. É um ponto de interrogação na minha vida. Fico sem saber o que levou ele a deixar os dois filhos sem mãe e, agora, praticamente sem pai", afirmou a mãe de Leandra Gennifer.
De acordo com a polícia, Leandra Gennifer vivia aprisionada pelo companheiro. Raphael Cordeiro Lopes chegou a instalar câmeras no imóvel para vigiar os passos da jovem e a polícia disse que o casal tinha dois tipos de conduta.

Um comportamento público, de que viviam bem, e, internamente, a coação constante da mulher. Para a mãe da vítima, isso torna o crime ainda mais doloroso
"Violento, não sei se ele era, porque só via fotos bonitas deles em shows, em viagens. Se ele batia nela, ela escondia. O que eu sei, agora, é o que vejo pela imprensa. Só sei que ele está preso lá. Quero fingir que ele não existe, porque isso só vai me machucar. Nos resta, agora, passar Dia das Mães sem ela, aniversário, tudo", afirmou Joseane.


A trabalhadora afirmou, ainda, que o alento que encontra na vida, depois de ter visto a filha ter a vida levada pela violência, é a presença dos dois netos, filhos da vítima. O mais velho tem 7 anos e o mais novo, 2 anos. Agora, ela luta pela guarda dos dois.

"Eu e o avô deles continuamos lutando por eles. Já entrei com pedido de guarda e estou esperando a decisão da Justiça, que poderia acalmar o nosso coração, pelo menos. Mas até isso é constrangimento. A espera de você, sendo avó, criando seus netos, não ter o direito de resolver as coisas deles", disse.
Violência contra a mulher
Apesar do aumento no número de casos de feminicídio e de assassinatos de mulheres em geral, segundo os dados da Secretaria de Defesa Social, houve uma diminuição nos registros de violência contra a mulher. Houve, nos seis primeiros meses do ano, 4.731 casos, número que é 2% menor que os 4.845 registros do primeiro semestre de 2019.

Houve declínio, também, nos índices de estupro, que caíram 16%, de 1.071 para 897. Os números de estupro de vulnerável caíram 23% nos registros oficiais, saindo de 708 para 546.

De acordo com a gestora do Departamento de Polícia da Mulher (Dpmul), Julieta Japiassú, essa redução, principalmente por ter ocorrido em meio à pandemia, denota uma subnotificação.

"Mesmo sem levar em conta a pandemia falamos em subnotificação, porque sempre temos meses de oscilação, porque, para a vítima falar, existe uma barreira muito grande, porque sabemos que esses crimes são maiores e muito antigos. Nosso trabalho diário é para que essas mulheres tenham orientação e consigam fazer a denúncia", afirmou a gestora.

Sede do Departamento de Polícia da Mulher (DPMul), no Bairro do Recife, região central da capital — Foto: Pedro Alves/G1

Segundo a delegada, os oito primeiros meses de 2019 e 2020 se assemelham em relação aos feminicídios.

"Temos 39 casos de feminicídio até agosto, o que é o mesmo número do período anterior. Quanto aos índices de violência, como houve um momento de isolamento, mulheres e crianças podem ter vindo a ser vítima de violência e não ter tido acesso à denúncia", declarou.

De acordo com Japiassú, o maior desafio seja, talvez, o de levar informação sobre os direitos das mulheres. Isso passa, também, pela falta de informação sobre onde procurar ajuda.
"A mulher pode comparecer a uma delegacia especializada de atendimento à mulher ou mesmo em uma delegacia comum. Lá, ela vai pedir a medida protetiva ao juiz. Ela também pode fazer denúncias pela Delegacia Interativa, na internet, e equipes vão entrar em contato com ela. No caso de agressão física precisamos que ela vá à delegacia, ou mesmo a uma consulta médica, porque precisamos da materialidade do fato, o exame", explicou Julieta Japiassú.

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