Estupro não deve ser tolerado. Deve-se evitar execução sumária
'Pois uma pessoa –mesmo que seja culpada, admitamos!– já está presa sem que sequer tenha havido uma sentença condenatória', diz Mario Rosa sobre João de Deus
ejo todo esse massacre que se criou em torno do jogador Neymar. O estupro é inaceitável e ninguém, absolutamente ninguém, pode sequer admitir tolerância com algo tão hediondo e degradante. Dito isso, penso: que tempo é este em que vivemos, no qual qualquer um pode ser acusado sem o mínimo de provas e ter sua vida devastada? Não só no futebol. Em todos os campos. Ninguém pode ser considerado intocável, nem os mais ricos, nem os mais poderosos. Neymar, pelo menos, tinha alguns fragmentos que serviram minimamente para sua defesa: o agora famoso WhatsApp. Pelo menos pode estabelecer um contraditório, ao invés de ser estraçalhado desde o ponto de partida. Ainda assim, sofreu desde já punições pecuniárias severas: contratos rompidos, marcas de primeira linha o abandonaram, danos de imagem em escala global.
Não tomo partido de Neymar ao fazer essas considerações. Creio que a acusadora tem todo o direito de fazer o que bem entender. E naturalmente arcar com as consequências de seus atos. Não condeno nem absolvo Neymar. Eu condeno todos nós. A chamada “opinião pública”, essa nuvem disforme que assume ares de carrasca da vida alheia. Pior: somos incoerentes e, por isso mesmo, cruéis! Falemos de outro caso de acusações de estupro: o que envolve o médium João de Deus. Ele não tinha os registros de WhatsApp, como Neymar; ele não era um ídolo mundial, como Neymar. Ele não foi “abraçado” pela mídia. Ao contrário, foi triturado. “Seu” João foi colhido por uma onda de acusações de estupros seriais. O estupro é inaceitável e ninguém, absolutamente ninguém, pode sequer admitir tolerância com algo tão hediondo e degradante. Dito isso, penso: que tempo é este em que vivemos, no qual qualquer um pode ser acusado sem o mínimo de provas e ter sua vida devastada?
Falam muito em Lula Livre. João de Deus Livre aluguem já ouviu falar? Pois uma pessoa –mesmo que seja culpada, admitamos!– já está presa sem que sequer tenha havido uma sentença condenatória. Neymar, ninguém merece ser jogado e ver jogado seu nome, sua vida, sua honra num pântano sangrento e num espetáculo macabro de exposição negativa de imagem por obra e graça de uma mera acusação, por mais grave que ela seja. Mas, Neymar, veja como somos nós os seus concidadãos na virada do século 21: andamos com smartphones de última geração nas mãos, com os mais sofisticados aplicativos, e vestimos os mais primitivos capuzes da inquisição para assacar contra a vida alheia.
Mulheres, homens, pessoas com qualquer tipo de orientação têm de ter o direito fundamental de se defender e de buscar reparação contra qualquer monstro(a) ou desqualificado(a) que tenha abusado de sua força para violar sua vontade e seu corpo. Não se pode nunca defender estupradores ou o estupro, embora nosso aparato jurídico e democrático ofereça direito de defesa a todos, inclusive a eles. Falo, aqui, da defesa no sentido político, moral, social. E não da defesa técnica, completamente justificável e símbolo da civilização que oferece até mesmo aos párias aquilo que eles não ofereceram a suas vítimas: uma chance de defesa. É isso que faz a civilização diferente da barbárie. Mas o direito legítimo de buscar a reparação por abusos sexuais, a meu ver, não pode descambar para a execução sumária e cruel que estamos assistindo e legitimando.
Que João de Deus seja acusado, sim. Que seja defendido, sim. Que seja condenado, se assim o juiz entender que o acervo probatório permita (a maior parte das alegações, até onde se sabe, são de supostas ocorrências cuja prescrição já estaria consumada). Condenado, que tenha o direito de recorrer. E que o Ministério Público tenha o direito de apelar pela manutenção ou até agravamento da sentença. E que ao final de tudo o desembargador-relator faça o seu voto, a favor ou contra o réu. E que os demais julguem, condenando-o ou absolvendo-o. E ao final –ao final do devido processo legal– que se prenda se for esse o veredito. Mas…começar tudo isso pelo fim? Prende-se João de Deus e ponto final? Deixa-se que ele apodreça na cadeia? Prende-se sem sentença, sem condenação, sem instrução, sem contraditório? Simplesmente prende-se? E o culpado é João de Deus e nós, que somos coniventes com essa barbárie, somos todos inocentes? É isso que somos? Provas não há. Assim como Neymar, há testemunhos. Que podem ser verdadeiros ou não. Se comprovadamente verdadeiros, deve haver instrução, julgamento, recurso, segunda instância, condenação e, só então, prisão, se for o caso. Se não for assim, temos de prender Neymar também? Eu tenho muito medo: podemos não estar virando uma terra de estupradores, mas talvez estejamos nos tornando a pátria amada dos carcereiros.
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'Pois uma pessoa –mesmo que seja culpada, admitamos!– já está presa sem que sequer tenha havido uma sentença condenatória', diz Mario Rosa sobre João de Deus
Não tomo partido de Neymar ao fazer essas considerações. Creio que a acusadora tem todo o direito de fazer o que bem entender. E naturalmente arcar com as consequências de seus atos. Não condeno nem absolvo Neymar. Eu condeno todos nós. A chamada “opinião pública”, essa nuvem disforme que assume ares de carrasca da vida alheia. Pior: somos incoerentes e, por isso mesmo, cruéis! Falemos de outro caso de acusações de estupro: o que envolve o médium João de Deus. Ele não tinha os registros de WhatsApp, como Neymar; ele não era um ídolo mundial, como Neymar. Ele não foi “abraçado” pela mídia. Ao contrário, foi triturado. “Seu” João foi colhido por uma onda de acusações de estupros seriais. O estupro é inaceitável e ninguém, absolutamente ninguém, pode sequer admitir tolerância com algo tão hediondo e degradante. Dito isso, penso: que tempo é este em que vivemos, no qual qualquer um pode ser acusado sem o mínimo de provas e ter sua vida devastada?
Falam muito em Lula Livre. João de Deus Livre aluguem já ouviu falar? Pois uma pessoa –mesmo que seja culpada, admitamos!– já está presa sem que sequer tenha havido uma sentença condenatória. Neymar, ninguém merece ser jogado e ver jogado seu nome, sua vida, sua honra num pântano sangrento e num espetáculo macabro de exposição negativa de imagem por obra e graça de uma mera acusação, por mais grave que ela seja. Mas, Neymar, veja como somos nós os seus concidadãos na virada do século 21: andamos com smartphones de última geração nas mãos, com os mais sofisticados aplicativos, e vestimos os mais primitivos capuzes da inquisição para assacar contra a vida alheia.
Mulheres, homens, pessoas com qualquer tipo de orientação têm de ter o direito fundamental de se defender e de buscar reparação contra qualquer monstro(a) ou desqualificado(a) que tenha abusado de sua força para violar sua vontade e seu corpo. Não se pode nunca defender estupradores ou o estupro, embora nosso aparato jurídico e democrático ofereça direito de defesa a todos, inclusive a eles. Falo, aqui, da defesa no sentido político, moral, social. E não da defesa técnica, completamente justificável e símbolo da civilização que oferece até mesmo aos párias aquilo que eles não ofereceram a suas vítimas: uma chance de defesa. É isso que faz a civilização diferente da barbárie. Mas o direito legítimo de buscar a reparação por abusos sexuais, a meu ver, não pode descambar para a execução sumária e cruel que estamos assistindo e legitimando.
Que João de Deus seja acusado, sim. Que seja defendido, sim. Que seja condenado, se assim o juiz entender que o acervo probatório permita (a maior parte das alegações, até onde se sabe, são de supostas ocorrências cuja prescrição já estaria consumada). Condenado, que tenha o direito de recorrer. E que o Ministério Público tenha o direito de apelar pela manutenção ou até agravamento da sentença. E que ao final de tudo o desembargador-relator faça o seu voto, a favor ou contra o réu. E que os demais julguem, condenando-o ou absolvendo-o. E ao final –ao final do devido processo legal– que se prenda se for esse o veredito. Mas…começar tudo isso pelo fim? Prende-se João de Deus e ponto final? Deixa-se que ele apodreça na cadeia? Prende-se sem sentença, sem condenação, sem instrução, sem contraditório? Simplesmente prende-se? E o culpado é João de Deus e nós, que somos coniventes com essa barbárie, somos todos inocentes? É isso que somos? Provas não há. Assim como Neymar, há testemunhos. Que podem ser verdadeiros ou não. Se comprovadamente verdadeiros, deve haver instrução, julgamento, recurso, segunda instância, condenação e, só então, prisão, se for o caso. Se não for assim, temos de prender Neymar também? Eu tenho muito medo: podemos não estar virando uma terra de estupradores, mas talvez estejamos nos tornando a pátria amada dos carcereiros.
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