Tia Tatá fica com as crianças de mães solteiras e catadores do lixão durante o dia e não cobra um centavo: o projeto vive de doações


á dez anos, ao descobrir um câncer de útero já em estado avançado, Maria da Conceição Ferreira, muito religiosa e frequentadora assídua da Assembleia de Deus, fez uma promessa. Se sobrevivesse à doença, se dedicaria a ajudar mães solteiras e carentes que precisassem de alguém para cuidar dos filhos enquanto trabalhavam. Viveu. Retirou o útero, os ovários. “Já não tenho mais nada, dentro de mim só fígado e tripas”, conta.
Levou a vida tentando encontrar o momento ideal para começar a cumprir a promessa. E como as coisas nunca acontecem uma de cada vez, outra reviravolta a obrigou a ajudar o outro. Sua filha mais nova, com 19 anos, sentiu dores, estava com apendicite e do hospital saiu direto para o cemitério. Sofreu um choque anafilático, tinha alergia à anestesia.
Nas bordas da depressão, prestes a cair no buraco, ainda viu terminar o casamento de 25 anos com o homem que não era o pai biológico, mas que criou seus quatro filhos. Ele queria as próprias crianças e ela, sem útero, não podia atender o desejo do marido. Ele queria engravidar alguém para ela criar o pequeno. Maria da Conceição não aceitou, terminou tudo, pegou suas coisas, fechou a casa, jogou a chave por cima do portão e comprou uma passagem para sua cidade, Campo Maior, no Piauí. Ficou por lá um ano lambendo as feridas mas resolveu voltar.

Há três anos, está na Estrutural, na casa de uma amiga. Em Santa Luzia, mais especificamente, uma área muito pobre dentro de uma cidade que já precisa de ajuda. Lá, conheceu a vida das mulheres que vivem do lixão e decidiu: era hora de colocar o plano em prática. Se mudou para o próprio barraco e encontrou algumas mulheres necessitadas de ajuda. Mães solteiras, algumas usuárias de drogas. Aí virou Tia Tatá.
A notícia correu rápido: não é todo dia que aparece uma pessoa disposta a cuidar das crianças de graça enquanto os pais trabalham. E os seis meninos viraram 20, 30, 40. A casa ficou apertada. Alugou outro barraco próximo, chamou algumas vizinhas para ajudar. Tudo muito simples: o proprietário do espaço não deixou nem colocar piso no chão. As paredes são de madeirite. Tia Tatá tirou as telhas da própria casa e colocou em cima das cabeças dos pequenos durante a época de chuva. Vendeu o carro, pagou as despesas e hoje anda de moto.
O trabalho dela é importante: além de olhar os meninos, em vários casos é só ali que tem alimento. Antes de começar a organizar um jantar às 16h, recebia crianças quase desmaiando de fome de manhã por terem comido pela última vez no almoço do dia anterior. Algumas vivem em lares completamente desestabilizados, convivem desde pequenos com a violência extrema. Ali recebem cuidado, carinho, banho e comida. Eles tem entre um a oito anos, e Tia Tatá faz questão de levar os maiores para a escola todos os dias. “São uns abençoados”, diz.
Depois de um evento da Patamo em uma área próxima da casa de Maria da Conceição, uma rede de televisão a descobriu e algumas pessoas começaram a enviar doações. E hoje, o projeto vive única e exclusivamente de solidariedade. “Deus provém. As vezes, nem durmo à noite pensando no que eu vou dar para essas crianças comerem no dia seguinte, como vou pagar as pessoas. Aí aparece alguém disposta a ajudar”, conta.
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