Ainda nos machuca os ouvidos a frase “nós não vai ser
preso”. Não é pelo maltrato ao idioma não, nem pela aberração da conjugação do
verbo, porque isso até que passa e vira formalidade num País de treze milhões
de analfabetos, quando o mais grave (muito mais grave) é o conteúdo da frase
mesmo. E também ainda nos machuca as retinas o cariz de pretensão de impunidade
com os quais o “nós não vai ser preso” nos foi lançado na cara. O dono da
pérola, isso todo brasileiro com um fio de barba de vergonha sabe quem é,
porque em gente boa dói mais, muito mais, coisas desse tipo: o senhor Joesley
Batista, ex-todo-poderoso dono da J&F. As voltas que o mundo dá, e ele
agora está trancafiado, por irônica cilada do destino, juntamente com o seu
interlocutor no tosco diálogo que gerou a frase. O nome do parceiro de
corrupção é Ricardo Saud, ex-alto diretor da empresa. O irmão de Joesley,
Wesley, seguiu o mesmo caminho, aquele que tem levado muita gente a sair de
suas mansões, por ordem judicial, e ir morar contrariado em cubículos de nove
metros quadrados, sem vaso sanitário e sem água quente. Wesley está preso sob
acusação de manipular o mercado financeiro.
Falou-se de retinas. E as nossas retinas absorvendo malas e
caixas de dinheiro escondidas num apartamento em Salvador, como olhos nus
olhando eclipse? Igualmente isso nos fere, igualmente isso nos dói: são os R$
51 milhões do senhor Geddel Viera Lima, ele mesmo, o bebê chorão, que chora
para o juiz, que chora para o carcereiro quando vão lhe raspar a cabeça na
cadeia, mas não chora quando gatuna dinheiro do povo, quando conta dinheiro do
povo, quando deixa suas lombrosianas digitais no dinheiro do povo. Ah, a dor de
treze milhos de desempregados olhando a dinheirama roubada nos tempos em que
ele foi vice-presidente do departamento de pessoa jurídica da Caixa Econômica
Federal. Bom, muito bom, Geddel também está trancafiado.
Falou-se de povo. Eta povo, o quanto que essa palavra passa
de boca em boca na turma do PT, como dela se apropriou a boca de Lula, do
chefão da organização criminosa Lula et caterva – Lula, hoje réu em seis
processos e com uma linha de montagem de denúcias e inquéritos contra si. A
boca da coxa fala em povo, e não enlouquecemos não, não estamos falando que
coxa tem boca, estamos dizendo é que essa coxa, apelido da presidente nacional
do PT e senadora Gleisi Hoffmann no submundo da corrupção, também ela anda e
desanda a falar de povo. E parece padecer de episódios persecutórios, acha
agora que o lingua-nos-dentes Antonio Palocci entregou tudo o que sabia de
podridão de Lula porque está a serviço da CIA (chora não, leitor; ou, pelo
menos, chore de rir). Pois é, Lula e Palocci eram amigos até debaixo d’água ou
debaixo de milhões de dólares, e hoje é o salve-se quem puder – depondo a
Sergio Moro, Lula declarou que Palocci é “frio e calculista”. Como diz a
população carcerária feminina, “quando o bicho abraça playboy, a língua de
playboy não tem osso” – ou seja, um deda o outro, só falta fazê-lo por ordem
alfabética. Palocci, o super agente secreto americano (tem mais jeito de KGB),
não honrou o ensinamento do santo que inspirou sua mãe na hora de seu bastismo:
Santo Antonio de Pádua. Pregava Antonio, o santo, não o Palocci: “se não puder
falar bem de alguém, não fale nada”. Claro que é impossível falar bem de Lula.
Então Palocci, mesmo sendo católico, resolveu falar para tentar aliviar a sua
prisão. Eis, aqui, outro trancafiado.
Falou-se de organização criminosa. Inacreditável, as
quadrilhas se entrelaçam, nunca se viu tanta corrupção, nunca se viu tantos
milhões e bilhões desviados de cofres públicos. A impressão que dá, tamanha é a
lama, é que se todas as cédulas de dinheiro pego da Viúva fossem colocadas lado
a lado, com paciência de Jó se conseguiria organizá-las por sequência numérica.
Como se disse, tudo se entrelaça, é um novelo. Olhe! É lama mesmo! Olhe! De
onde saíram tantos facínoras? Na semana passada, Michel Temer disse que
“facínoras roubam a verdade” no País. Ele se referiu apenas aos que o
denunciam. ISTOÉ elege a expressão facínora em outro contexto bem mais amplo:
refere-se a todos, todos mesmo, os predadores que assaltam politicamente o
Brasil. É como se Temer falasse de alguns músicos; ISTOÉ fala da orquestra interira.
E toda essa corrupção enoja. Tudo isso é obsceno. Tudo isso, machadianamente,
“exaure” e “cansa”. Bom Machado de Assis, bom “bruxo do Cosme Velho”, o teu
Simão Bacamarte, de Itaguaí, faria um belo trabalho de internação de muitos e
muitos políticos dessa “Pindorama, hoje Brasil!”, de muitos e muitos
empresários, de muitos e muitos empreiteiros, não fosse ele médico mas, sim,
delegado da Polícia Federal. E a Casa Verde seria a Papuda. Reais e dólares,
aos milhões, aos bilhões, viraram troco para corruptos e corruptores das mais
diversas cores ideológicas e partidárias. Ok, bom e sábio “bruxo”, você avisou:
no dia em que fosse proclamada a República, do jeito que tal proclamação estava
sendo alinhavada, se veria no País uma quantidade de corruptos que o “sol
jamais alumiou”.
Falou-se de corrupção. Como o poder no Brasil parou nas maõs
desses delinquentes? De onde vem esse Irma de malversação do dinheiro público?
Genética, a causa não é, porque a esmagadora maioria dos brasileiros é honesta,
basta olharmos para os olhos da honestidade que se sabe roubada naqueles que
bocejam à espera dos sobretolados metrôs e trens e ônibus às seis da matina. Só
em São paulo, oito milhões de sonolentos todos os dias. E é mão de mãe com calo
puxando filho para creche, é mão de mãe com calo indo para o batente de arrumar
casa dos outros, é mão de mãe com calo seguindo para a fábrica. Não, o povo
brasileiro é íntegro sim. Mas há um ponto de partida para todo o nó. A
República!
Falou-se de República. Não pelo fato de a República ser
República, mas, isso sim, por ter sido decretada e não proclamada. Aristides
Lobo, arguto observador, escreveu com maestria que o povo, atônito, pensou que
se tratava de uma parada militar. Ao saber que um desafeto seu (dera em cima de
sua mulher) poderia ser o chefe do novo gabinete do império (boato nascido da
boca de Benjamin Constant), Deodoro da Fonseca decidiu assinar a mudança de
regime, sequer em praça pública, mas nas dependências do que seria hoje uma
câmara de vereadores. Aí, deu ruim para o Brasil. A chamada classe política
nasceu e cresceu e espichou e engordou sem o menor compromisso popular –
conceito desenvolvido pelo signatário, tristemente no Brasil “o povo é nota de
rodapé, o povo é nota de pé de página”. Daí nasce o patrimonialismo. A maioria
dos políticos misturando o público com o privado, o que significa, em bom
português, avançar no dinheiro dos outros e receber propina para utilizar a
máquina pública a favor de interesses privados.
Falou-se de tudo que anda por aí. E a saída, onde fica a
saída? (antiga indagação do genial dramaturgo Oduvaldo Vianna Filha). Um dos
maiores classicos do cinema, em todos os tempos, chama-se “O homem que matou o
facínora” (1962). Nele, o personagem Tom Doniphon (John Wayne) não acredita no
ordenamento jurídico que começa a nascer nos EUA, a lei para ele é um revólver
e um rifle. Ronson Stoddard (James Stewart), ao contrário, é um recém-formado
advogado disposto a provar que a lei vence o tiro. Há um famoso bandido na
história chamado Liberty Valance (Lee Marvin). Todos pensam que foi James
Stewart quem conseguiu duelar e matar o facínora, mas na verdade quem o mata é
John Wayne – e, importantíssimo, seu personagem evolui cultural e
politicamente, abandona o cinturão e passa a pregar a soberania das leis e a
democracia. Pois bem, a saída para o Brasil, a única saída, são os princípios
constitucionais pelos quais o STF zela e saberá sempre zelar, até porque é essa
a sua função precípua. Os onze ministros do STF serão, enfim, os homens que
“matarão” os facínoras.
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